26/07/2008

floricultura

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I

Estava de fadiga.

Finda a última garfada, estava em mascarado alvoroço pós-rango batido sob a babel dos encaixes de sensações, suspensas adivinhações.

Enquanto tirava cascas de feijão do incisivo direito, estava sutilmente arrotando: mesmo engolindo mais vozes do que o virado à paulista, luziu-lhe resquício da felicidade cerebral.

 Desde a ensolarada alvorada ela cogitou, indiscriminadamente, a possibilidade de doar o axé necessário àquela tocante memória que fez Éfe Agacê chorar perante as câmeras da TV. Não só um passado glamourizado, mas também seu altruísmo inquiria uma cara enciclopedização de costumes que enfim pudesse desvestir amarguras nesses estabelecimentos com cheiro de coisa chic e/ou casas de ópio, cemitérios... Pudesse ela adquirir a firme certeza de que a fluidez de sua vida estava cerca de 86% não-encerrada e a derradeira catalogação dos íntimos encantos seria um prazeroso exercício. Em nome dos refugos de seus mergulhos de laboratorial inconsciência, como derradeiro mote, ela propunha outorgar a alegria geral da galëre oriunda de comunidades solidárias - às quais estava fielmente vinculada. Sem acontecimentos trágicos, sem doloroso, mas sim acalentador sacrifício.

A desexpirar o fôlego ansiado ela dirigiu-se ao banheiro, fez xixi, escovou os dentes, retirou da mochila seu singelo frasco de perfume francês, espargiu o conteúdo sobre os seios, lançou dous beijinhos à caricatura refletida no espelho de bordas semi-emboloradas, arrumou os longos e chamativos cabelos ruivos, apertou o espartilho, deu descarga e, sem pensar três vezes, retirou-se pra botar em prática boa parte do aprendizado de seu consolo. Os mais pios intentos tentaram proteger-se exercendo o aprendizado das aulas de teatro, aferroando-se a semáforos, placas de endereços, nomes de boteco, cartazes de poesia em postes, árvores, nuvens, enfim, tudo o que se colocasse o mais longe possível de seu caminho seria o ideal para que sua cara de asfixiada não se deparasse com insolícitas presenças monstruosas...Cerca de 15 minutos depois da jornada de sinalização, ela chega ao recinto, tentando controlar a emoção, de fininho... (é a primeira vez que entra). Como uma aparição, surge o desejo de sua corrente do bem:


- Errr... com licença, precisa de ajuda?
- É... hihih... pode ser... é que... tipo assim... é... faz um tempo que eu passo aqui em frente e...
- Eu sei...
- ...Hihihih ai que vergonha...
- Calma mocinha....
- Bom... eh... eu queria saber mais sobre seu mundo...
- Sei...
- Bom... é que... sabe... meu freqüenciador de compreensões anda desregulado...
- Como é que é? (FINALMENTE, O OUTRO)...
- Ai... deixa eu te explicar... uso o método dalcroze... quer conferir?
- Ah... pare com isso menina...
- ...preciso impregnar à minha vida o odor ideal dos atavismos da minha paixão...

Ruth Blumenstrauss percebe-lhe a ofegância nervosa e antecipa:

- Ok querida, pelo jeito tens complexidade de sobra... Sei do que precisas...
- É mesmo? Não é sexo não, pode ter certeza...
- Não estou afirmando isso... pode falar o que quer, se quiser...
- Hihihih ai... tá bem... É que... bom, desde que eu virei atriz que minhas retinas não agridem-se apenas perante flores, passarinhos, borboletas amarelas...

Ruth Blumenstrauss ganha um ar pensativo, um olho direito clínico... mas logo retorna ao mundo dos vivos questionamentos filosóficos, desfranzindo o cenho:

- Qual seu signo?
- Escorpião...
- Mmmmmm...
- Esperei tanto por esse momento...

Inesperadamente Xexereguns beija-lhe as mãos, diz que é admiradora do trabajo caridoso que ela fez em nome da aculturação dos japoneses, e lamenta por não ter comparecido à missa. Ruth delicadamente inverte a posição de suas mãos de maneira que possa analisar a destra de Xexereguns:

- Sabe querida, entendo perfeitamente sua cabecinha, vivemos num mundo sadomasoquista, e isso se aplica a algumas conflituosas relações sociais, familiares, desportivas, midiáticas... até alguns animais gostam de ver o sofrimento alheio. A vida impõe duras regras a espíritos epicuristas, humanistas... Sua flor é a íris...
- Ai (ESPANTO). Como você adivinhou?! Pelos traços da minha mão neh?
- É queridinha... vejo que sua missão é falar a verdade, mesmo que por linhas tortas, usando neo-palavras... O significado principal da íris no horóscopo das flores é a mensagem... se você recebê-la dum pretendente ou namoradinho é porque ele tá querendo te falar algo, sacas? Assim é provável que haja um bilhetinho com a flor... ok? Venha comigo...
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- ...Alguns confundem com o lírio, e além de ser o nome dado ao colorido que circunda as pupilas, e de certa variedade de pedras preciosas, Íris é também o nome duma flor da temporada primavera-verão, de grande beleza e suave fragrância...
- Ai que nitidez de cores!
- É verdade, sabia que ela também é conhecida como flor-de-lis?
- Nops...
- É... ela está em muitos versos, embora alguns autores não tenham conhecido suas versões híbridas... Todavia vou recitar o poema de um que as conheceu, ouça:




"Uma flor rara, tão bela e floriu;
da amizade surgiu uma mulher jovem,
bonita, humilde de sentimentos,
humana e amiga.
Ambas do mesmo nome de nascimento,
tão belas que são e raras,
com quatro letrinhas apenas;
um nome de mulher
e uma flor; ÍRIS!
Por seres minha amiga,
conselheira dedicada."
Zezinho Mota






- Ai que lindo, Ruth...
- Também acho... o poeta brasileiro abstraiu a Iris germanica, da família Iridaceae - que dizem ser nativa da Europa e Mediterrâneo -. Ela foi o emblema da França desde o século XII e das casas reais com origem francesa, como os Borbões.
Há muitos anos, a íris ou flor-de-lis era desenhada nas cartas náuticas para indicar o norte na rosa dos ventos. Ao observar estas cartas, chegou-se à conclusão de que a flor representava o sentido de direção e era este o estrito significado que ela idealizava para o escotismo. Suas flores podem ser azul, púrpura, branca ou amarela, florescendo em regiões digamos que... mais frias, pois assim a floração fica mais intensa, seja em pleno sol ou meia-sombra. De herbácea rizomatosa perene, utilizada em bordaduras ou maciços, formando canteiros, como ela é delicadinha, precisa crescer num solo arenoso - com boa drenagem - e organicamente rico, tipo em jardins, canteiros... Você deve regá-la umas duas vezes por semana. O porte varia de 30 a 60 cm, a propagação se dá por divisão da planta (divisão de rizomas)...
- Que interessante.
- ...Na Atlântida essa flor era o símbolo do trabalho e da dedicação...
- Mmmmmm... (TENHO UM AMIGO QUE VAI GOSTAR DE SABER DISSO).
- As pessoas nascidas sob o signo de íris tendem a ser esforçadas e podem se sair muito bem em cargos de liderança, pois sabem exercer o poder sem resvalar para o autoritarismo. Dotadas de uma intuição apurada e de uma inteligência aguda, são capazes de captar as verdades que se ocultam muito além das aparências. Persuasivas, quase sempre convencem os outros a fazer exatamente aquilo que elas querem. Embora pareçam acessíveis e extrovertidas sabem guardar muito bem os próprios sentimentos e desejos;...
- Hihih.
- ...têm horror a conflitos e sempre optam pelo caminho do entendimento e da conciliação. Até Van Gogh já pintou a flor... Significava vida e ressurreição no antigo Egito e aparece nos muros do salão do trono do palácio de Knosos, na antiga Creta... ah... tem tanta história...
- Pode falar mais resumidamente...
- Ok captei a mensagem negrinha, sente-se por favor... mmmmm, bem garota, variemos, venha comigo... veja só... Essa outra aqui é a flor nacional da Turquia e do Irã, também é o nome do asteróide 1095 e de um tipo de chopp e a taça em que é servido. Mas você se interessa por minha floricultura particular?
- Também... Você é uma senhora educada...
- Bom, depois conversaremos sobre isso, agora vou te contar a história de uma flor cultivada em Holambra, a Tulipa - também do gênero angiosperma, é da família das liláceas, tem cerca de 100 espécies conhecidas, surge com uma haste ereta e sua única flor é formada por seis pétalas. Existem muitas variedades híbridas também. Se o local de plantio não for em local de clima frio, recomenda-se misturar 2 ou três cubos de gelo ao solo para diminuir o calor das raízes, isso fará com que os botões durem mais. O bulbo contém alcalóides termoestáveis e cristais de oxalado de cálcio - manipulados liberam um pó que pode provocar conjutivites, rinites e até crises de asma. Elas são originárias da Ásia Central e não dos Países Baixos, com pensa a maioria. Foram levadas pra Holanda em 1560 por um botânico (chegou a ser a quarta maior fonte de renda do país). O nome da flor foi inspirado na palavra turco-otomana tülbend, posteriormente afrancesada para tulipe, que originalmente significa turbante, considerando a forma da flor invertida. Algumas referências defendem que as tulipas seriam originárias da China, de onde foram levadas para as montanhas do Cáucaso e para a Pérsia. Tem uma estória interessante sobre a tulipa negra que jo me lembro também (a que se conhece hoje em dia não chega a ser negra e sim arroxeada...)
- Ai fala então...
- Jah jah... primeiro gostaria de adverti-la sobre os efeitos do pólen da tulipa africana...
- Ai... (MEDO).

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- [Flores caídas da tulipa africana ou Espatódia ou Bisnagueira, planta originária da África (Spathodia campanulata, Bignoniaceae) que foi muito utilizada na arborização urbana no Brasil, especialmente em Brasília, onde floresce o ano inteiro, com ênfase nos meses de novembro e dezembro. Porém está sendo gradativamente
erradicada e substituída pois as suas flores possuem pólen tóxico que envenena e mata abelhas e outros insetos, ou no mínimo embriaga beija-flores e cambacicas. É até cômico ver os pássaros voando "cambaleantes". Mas eles, bêbados, pousam em qualquer ponto e ficam presa fácil. Ainda bem que têm memória e não repetem a experiência.]

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- (Era comum ouvir-se falar na tulipa negra, uma flor rara e preciosa. Segundo uma lenda persa, uma moça chamada Ferhad apaixonou-se por um rapaz chamado Shirin. Vendo seu amor rejeitado, Ferhad fugiu para o deserto. Ao chorar de saudades e tristeza, cada uma de suas lágrimas, ao tocar a areia, transformou-se em uma linda tulipa.)
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Para o cultivo, deve-se evitar ventos e sol forte. Se recebê-la de um pretendente, saiba o significado de cada uma...
- Diga então...
- Aceita um cafezinho primeiro?.
- Tem cigarro?.
- É do Paraguai...
- Blz... n00b problems...
- Bom menina... nem sei seu nome ainda!...
- E você ainda não me disse seu signo hihih... qual é?.
- Virgem...
- Ok hihih... sou a Xexereguns, encantada... vc é a Ruth Blumenstrauss ok? Posso te entrevistar?.
- Em princípio acho preferível atermos-nos aos significados da flor: Tulipa Amarela - amor sem esperança; Tulipa vermelha - declaração de amor; Tulipa pintalgada - belos olhos. Ok?
- Yeah...
- Bom... Agora variemos, vamos para a... (continua...)

25/07/2008

transcrições da festa literária de pós-poesia e-raising

flipper



3.0 - versão final de um e-vento promissor.
O incentivo à cultura
promete figurar
no casulo de
artistas que atropelam o discurso um dos outros e isso maravilhosamente culmina numa nova maneira de expressão: transcrições em comemoração das semanas literárias, já!



II
pastora de nuvens miguxa: jah são 20 anos a plenos pulmões aromatizados por novo espaço/ nosso corpo/ nossa mente/ nova semente/ mantenho-me viva/ estou na feira de Ctrl+v no ar/ favor retirar as senhas no flipperama das distintas tradições aéreas (you lose). charenton: por um lado concordo com a poeta da alma/ por outro/ matendo-me vivo/ creio que as apostas pra investigação disfuncional é em nível de una alma paradoxal/ veja bem que não se trata de um caso extremo-autoral/ pombas giravam na mais perfeita paz... os pássaros tentam mesmo pousar nos ventiladores em movimento e caem despedaçados de confiança aos nossos pés... pastora de nuvens miguxa começa a bebericar: discordo moça/ os serenos pássaros ainda mornos são uma parábola da jogada anterior à metáfora no player metafórico/ o poeta pensante-personagem tem um forte treinamento para estrear a disciplina básica do - bufo - tradição bufa e vernácula fazem parte da preparação em um casulo prematuramente rasgado/ a cultura inscrita no corpo/ apropriação de nosso próprio cuerpo/ paródio/ corpo dos poetas/ dizer o que sabemos e o que não sabemos... gertrude stein: ok pureza pura estamos sentindo a libertad da naturaleza more than estrelas não postas no peito roxo comovido com o sentido do encontro (germany wins: ich liebe dich)/ essa aí deve gostar da night isn´t it? sangue suor e lágrimas todos falam a mesma voz obstacular/ consoantal um momento importämtchy diria minha ex-amante coitadinia dela né jëmti? vivemos um momento importante - linguagem universal e sentimental up on full - compreensão profunda das dolores mais temdëmsya. charenton: quiçá muy básico? se hablamos la mesma voz - y conversamos com nuestro cuerpo de bandida carabina/ peter bruck não veste camisa de força/ contradições/ fidel/ contestação/ igualdade/ fraternidade, jo soy processos/ relacionar pela ora/ ideais/ correspondência absoluta. gertrude stein: tanze mit mir den walzerLuzifers. peter bruck: favor dirija-se à ala de fichas 4 soros pró-oníricos. gertrude stein: aff... charenton: pensar com o coração/ compromisso com a vida/ a palavra vanguarda está muerta e enterrada. pastora de nuvens miguxa: subvenção. charenton: perdoando sua presença fuerte/ o corazón/ cada poeta é o dilema de seus poemas - binômio terrível - revolução interna do ator/ resultado de muitas coisas (bônus: ♥ ♥ )/ treinando-se com a vida (verde)/ pelo contexto/ sentimento particular/ troca de sentimento ao (pôr-do-sol) - comunicação encenna/ muchas outras cosas/ me sepulto na pastora de nuvens miguxa. pastora de nuvens miguxa: nos livros. charenton: sy/ teatro vivo/ contrastes/ dificuldades/ investigação histórica no saraokê, à esquerda, no fim do corredor. matsuo bashô revide: por algum mezurashii desarrazoamento/ poderoso bombardeio/ jo creio que o repertório pode motte iru letras sem as devidas guilhotinas/ uma batalha/ reconstruindo o neo-espiritualismo. 奇: cada um com sua dinâmica... pastora de nuvens miguxa: gertrude stein acha que o medo/ experiência/ a parte da loucura/ interessa como livrar-se da guilhotina/ se passar por diferentes tipows de loucura/ cada um ser o louco que é na ala do
Ctrl-c ao vento, por favor/ o que está sendo colocado como referência? charenton: as coisas circunscritas/ referências de composição/ de composição coletiva/ retrabalhar uma série de recursos nos tempos que pensamos apartir da persona que somos/ depois que o poeta explode a rainha da morte - la reina del capital - una insurrência/ condenada à soledad para poder encontrar su mas secreta soledad - a grande metáfora do povo latino. pastora de nuvens miguxa: isso é meta do ensino fundamental. charenton: nem sempre miguxa/ a necessidade de se comunicar com o outro/ necessidade interna de comunicação particular não é a de céu corpo/ medicina/ cultura nacional/ transmissão/ reconciliAção/ palavrasduras/ osseusouvidosestaumemtodolugar, todomundo. generAL. anos de chumbo: juro por jesus virji mary. charenton: shut up muthefuckA (10 pontos)/ é essencial se tu decides que tu quieres criAr esse espaço - utilidade da vida - é respeitável seu procedimento/ entrada de pessoas no grupo/ havana/ matança como atorrr/ trabajar como obrero. irmã catchusca: sou o lado negro/ isso é uma delícia/ que recebo por nós/ pára pára guri/ voando parado/ muito confuso/ o meu anjo é o diabo e o mundo terá esse poder/ que recebo por nós/ meu rei exu/ ele é rei ora essa/ vamos fumar cachimbo no mato. anos de chumbo: extraterrestre anymore. na moda. quem dá mais? quem dá mais? matsuo bashô: 象 形 文 字 の 特 徴 ou seja: li naskiis en iga-provinco. estamiro: cu/ buceta/ caralho/ vai tomá no cu/ vai pro inferno/ me deixa em paz/ xixi/ cocô/ vagina/ xoxota/ xereca assada/ cu roxo/ vai se fudê/ pênis/ vai pro caralho/ sai da minha frente/ vai pro inferno vagabunda/ vai pro inferno viado/ vai pro inferno vadia/ me deixa em PAZ! muchacha na gandaia cristalizada: meu cu (3 pontos). charenton: iniciação/ capacidade de construção poor si mesmo/ de destintas gerações/ em destintos anus/ a raiz do personagem charenton atado à mesma carreta que os others/ qual tempo do personagem - pessoa - o grAn in 4 mante público em treinamento - muuuuUUcha información - possibilidade (FUEL FUEL FUEL)/ acesso/ nosotro compromisso com o público/ sim plus/ calor do público/ instalAções/ [game over (em funssAum de su tempo)]...
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16/07/2008

saindo das ruas

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__ Com licença moça, você já conhece a revista Ocas"?
__ ... tou atrasada pra reunião...

Era uma noite de lua cheia: da rua Augusta podia-se presenciar rotineiro happy-hour universitário prolongar-se em alcoólica paz; sob encanto de desconhecidos (e bons) olhos, alhures, Ricardo reapareceu em sua no-peu ordinaire esquina. Na primeira vez ainda não havia ameaça homeless, embora alguns albergues tivessem sido devidamente mapeados, sendo o Arsenal da Esperança descrito como menos ralé. Nesse segundo encontro já ciceroneava na boemia paulistana os pedidos de uma ex-ficante da ong atitudE!, portanto não foi por causa de sua vinda que essa época não foi fácil nem feliz para dividir aposentos com desconhecidos como ex-presidiários, aleijados fim-de-carreira, antigos figurantes da globo, michês decadentes e demais malucos abandonos senis.
A primeira menção à revista foi transmitida aos ouvidos do futuro chão de um já tradicional psicodrama. Percebia-se o fôlego de incentivo oculto por trás da divulgação do material, não que se tratasse de um típico brainstorming ou manjada maneira de usar mendigos para distribuir nova idéia de riquinhos revoltados (a favor dos menos favorecidos), tudo em sociedade surda pro espectador que desceu ao sub-solo para melhor conhecer aquele num primeiro momento "neo-usurpador" project.
Altas horas e Ricardo, sem nunca perder a paciência e boa vontade, explicou mais uma vez do que se tratava aquilo que certa vez Soraya, Jeremias, Frei David e Marrocos disseram não ser uma ong e sim uma oscip. Na verdade, além de ser uma organização civil de ação social, "a revista nasceu do encontro de pessoas e grupos que articularam desde 1998 para viabilizar a implantação de um projeto de geração de renda e a abertura de um canal de expressão para a população em situação de rua. O primeiro encontro para a discussão da idéia aconteceu em São Paulo, na sede da Rede Rua. No Rio de Janeiro, a primeira iniciativa foi apresentada na PUC-Rio, como projeto piloto, em janeiro de 1999. Em outubro do mesmo ano foi feito contato com a Rede Internacional de Publicações de Rua (INSP), que indicou o projeto Hecho en Buenos Aires, na Argentina, para a troca de informações. São mais de 80 publicações filiadas à Rede Internacional de Publicações de Rua - International Network of Street Papers, INSP - signatárias da Declaração das Publicações de Rua (The Street Papers Charter, na internet em http://www.street-papers.org/).
Ocas" é uma revista vendida exclusivamente por pessoas em situação de rua, que têm nesse trabalho a chance de mudança efetiva em suas vidas. O resultado decorrente da venda da revista - ficam com 2/3 do preço da capa - permite que estabeleçam novos contatos, ampliem seu círculo de relacionamento e dêem passos rumo à autonomia financeira e saída da situação de rua. A revista tem temas culturais, políticos e sociais, com vendagem executada exclusivamente na rua. De periodicidade atualmente bimensal e de circulação, a princípio, em São Paulo e Rio de Janeiro, a publicação também reserva espaço para a expressão das populações em situação de rua e aborda problemáticas relacionadas ao tema. Com essa proposta, ao mesmo tempo em que coloca o debate na agenda da sociedade, a oscip (organização da sociedade civil de interesse público) promove a autonomia financeira e fortalece os vínculos comunitários das pessoas em situação de rua.
Após tomarem conhecimento sobre os objetivos do projeto, os vendedores (maiores de 18 anos) recebem uma credencial e 10 exemplares gratuitos para iniciar o trabalho. A partir disso, passam a comprar cada exemplar por 1 real e vender por 3 reais."
Chegando à sede do Brás, a alta cúpula lhe cede um gravador de voz e câmera fotográfica para registrar a estória de cinéfilos dorminhocos. Nas primeiras reuniões de sábado quem manda e desmanda na revista são moradores de rua e/ou sujeitos em situação de risco social. Cada elemento é imbuído de trazer mais vitalidade afim de prosperar tarefas de inclusão. Nas reuniões o clima não é gelado e não há adversidade e/ou desigualdade entre ricos e miseráveis. As cartas são postas na mesa, analfabetos têm oportunidade de aprender uma boa soletração de tímidos textos. Não-falsificadores votos são feitos na hora em que uma psicóloga vinda dos pampas fuma num cachimbo e o Snoopy expressa intenso desejo de entrevistar os dubladores do Chaves & Chapolin Colorado, nem que isso seja a última coisa que ela tenha que fazer na vida (!) [onde anda o Snoopy? A última aparição de sua dentuça alegria foi notificada no albergue da Baixada do Glicério (onde é possível ser expulso em se mandando descasos de funcionários à puta que pariu)]. Deduzidos de desacordos anti-formais que não surgem do nada numa pesquisa com universitários das UNIs da vida, há filmagens de espontâneos preparos de evolução/regressão. Se alguém pegar no seu pé e/ou apelidar-lhe de retardado, certifique-se de estar sem uniforme quando tiver de acertar as contas. Não há desacordos muito menos brigas sangrentas na sede. É tudo alegria e curtição, tudo que falta de remorso sobra em festejo, regado a muita manguaça e comidas típicas mineiras na poesia da Pilar... Se Josoel misturar psicotrópicos com cerveja a Maria Alice o advertirá dos efeitos colaterais transatos. Só o que vale nas festas é o lado bom e leve das coisas benquistas nos recitais do sarau do Espaço Cultural do Zé.
Ainda na sede, reencontrando a temível condutora do psicodrama, é possível conferir como se faz uma boa distribuição de energias entre vendedores... É preciso saber observar - disse a charmosa madame, sabendo como ninguém olhar no fundo dos olhos mais reclusos sob pálpebras da vida (marginal). Ex-alcoólatras, ex-flanelinhas e (i)migrantes disputavam a atenção da "não-cruel mãe de rua", ilustrando o perfeito mosaico de perdedores oficiais da cidade grande (TODOS já conhecidos por este que vos escreve) que, reergendo-se, são captados para digno treinamento. Aprende-se a vender a revista sem dizer que ela ajuda moradores de rua, pelo menos num primeiro momento de interação pois, segundo fontes de boca de rango mais seguras, a tentativa de compadecer clientes não credita a entidade com 23% do respeito desejado; invariavelmente dedos apontam para relógios enquanto lentes de contato verde-água semi-desfocados olham pro nada, tentando despistar de vista a cara de cachorro/cadela abandonado(a) do rosto do(a) vendedor(a), através de fugazes recusas, contrárias à mais bem intencionada (falta de) salivação. No Masp até ouvem um pouco o bordão, mas é na frente do Centro Cultural São Paulo que se aprende a não falar sozinho e/ou mandar à merda quem não pára pra ser malhado, proposta infalível, pois os clientes tornam-se mais simpáticos e corteses quando tratados com igualdade... É claro que é proibido usar crachá quando vosmecê decidir brigar com um vendedor de poema que se acha dono do pedaço; tem também aquela mulher que mede a pressão, entrevistadores do Ibope, artesãos, fora pipoqueiros, a fofão e seguranças que confundem privado com público nas calçadas (não mande o presidente do CCSP enfiar pimenta no cu). Urge sobretudo boa entonação pra render os primeiros rangos sem valium, já que nos albergues das pastorais judaico-cristãs é de praxe aprender a dormir com um olho aberto e outro semi-onírico (infantis r.e.m.s de Brasília costumam piscar nesses recintos...); os pesadelos geralmente são protagonizados por post-assassinos e/ou ladrões que penam incansavelmente no subconsciente de impunidades policiais em sarjetas adjacentes ao Pedroso. Ingressando no mundo Ocas" dá pra aprender a jogar futebol com o incentivo técnico do Pupo; porventura muitos vendedores-jogadores viajaram para copas mundiais de moradores de rua - decisões finais já ocorreram na Dinamarca e África do Sul, nesse ano a partida será na Austrália. Atores aspirantes e/ou amadores podem receber aulas com a trupe do Teatro do Oprimido; também tem aulas de informática e incursões pra FLIP de Paraty. Os mendigos mais nouvelle vague surpreendem-se com o discurso cultural dos vendedores mais nego véios, alguns jornalistas, outros estilistas; no entanto os comemorados "tudo ao mesmo tempo agora" são mais confirmados colaboradores. Há um clima de competitiva harmonia pelo carinho da Pilar, apadrinhamento camarada e oOoôoOos do Zeca, nunca desistente reciprocidade do Ricardo, filosofia de botequim do Josoel, experiência de vida e responsabilidade do Marcos - que controla as vendas da revista -, tem até vendedor graduando em química em universidade pública.
Num belo dia de abordagem dos alunos de direito da USP, uma menina do DCE perguntou se a Ocas" tinha contato com o que ela chamava de "líderes de rua" - não apenas os caras do PCC, Comando Vermelho, Gaviões da Fiel, Cyber Cangaceiros e demais brandas-facções terroristas-tupiniquim. Segundo ela, só a violência acaba com a violência, só uma ação genuinamente de massas unificadas apartir da base mais baixa e dialogada com lumpem-proletariados poderia suprir a necessidade não-eleitoreira de um entrismo apartidário. Mesmo concordando com o aspecto conflagrador de sua nobre missão, a melíflua menina de cabelos caramelo de pontas louro-encaracoladas, diferentemente dos 91% que passam rasantes à oferta do produto, comprou a Ocas" e desistiu de articular um enlace de caráter inter-contribuitivo com organizadores (muitos deles alunos da mesma faculdade) de proposta de mudança mais miscigenada. Segundo as mais em voga elucubrações trotskystas da universidade em questão, há um desmembramento geral das táticas populares que enfraquece a neo-esquerdalha filha de 40 anos de acordos espirituais semi-clandestinos assinados em presídios e calabouços do DOPS. Será que a menina caramelada sabe que o poder paralelo está a engatinhar estagnações mais s/nossaum than CPIs-passatempo?
Aspirando novos ares, estourando a ruptura imperialista ou não, transigências de consciência mais relutantes, filiando-se ao "cada um por si" em grupo, encontram horizontes-possibilidade no Rio de Janeiro sem que o rapa se preze à demasiada agressividade de não-finas expulsões. Albergues oferecem oportunidade de emprego, dá pra dormir de bouwa nos mocós da Mangueira e São Cristóvão; mas é na Ocas" que toda uma recepção fagueiramente familiar disponibiliza mecanismos de auto-transformação aos batedores de rango do restaurante Garotinho. É tão bom trampar por lá... Em frente às celebridades do Cine Odeon e demais pontos de venda o ar é fresco, a orla do Flamengo e da Glória oferece boas desculpas pra refestelantes cochilos pós-leitura obrigatória do vestibular doutra cidade. No bairro de Santa Tereza tiroteios das favelas vizinhas são abafados para a composição de primeiro poema pós-lágrimas dum retiro espiritual, tudo em meio ao abraço de repleta natureza. Na sede eles tiram foto pra carteirinha e o click registra inesperado momento de dentes acavalados... Os vendedores são todos sangue-bom e vosmecê pode ajudar um deles a conseguir vaga pra não dormir numa fazenda comunitária; é tudo surpreendentemente apaixonante, dourado... Preta Gil e Bruno Gagliasso dão gratuitos closes em Ipanema enquanto Bentinho é chifrado, chegam os paparazzis e vosmecê sai na capa da imprensa marrom... ah... nada como um legítimo açaí na tigela e/ou suco de clorofila que gentilmente esquecem de te cobrar (raridade em se tratando de cariocas); uma balada-show-rave com Cordel do Fogo Encantado e vosmecê dançando com Camila Pitanga e Leandra Leal - tudo em menos de um mês... Os palavrões vão cedendo lugar a escancarados e trincados sorrisos, que aos poucos vão retorcendo, arregaçando e impregnando lábios inferiores pra aparição de gavetudos arraxtuix de sotaque. De volta ao terminal Tietê, a morte. A pressa.
Só mesmo um bom e velho filme hippie na Cinemateca e/ou luz silenciosa pra recuperar o zeitgeist recém abandonado duma fuga #3 pois, sendo esquecido o livro de amiga-atriz no armário do CCSP, o regresso teve de despertar no coração do distante vício por um ar superpopulosamente resignado às cinzas pombas do sufoco... Eram dramaturgias de Plínio Marcos? Ou Bukowski?... Bom, volta-se a malhar na academia do Garrido, fazer terapia em grupo e reobter permissão pra tomar banho na casa de transformista não-umbandista muy solícita às indomesticadas queixas de los más olvidados do Largo do Arouche. Arrecadando cerca de r$60,00 com diárias vendas da inseparável revista (vosmecê será pra 100pri lembrado e chamado pela alcunha de Ocas"), pode-se dar ao luxo (sic?) de pagar o cursinho popular da Afrobrás; voltar a comer saboroso rodízio de sushi da Liberdade num restaurante onde a turma do circo é recepcionada sem ser discriminada; um Tuc´s por r$ 0,50, raiz forte, leite de soja... Na locomotiva do Brasil é aconselhável ter muitos e diversificados compromissos pra não bater ponto todo dia com Soraya no café da manhã do Penaforte e nos também for free chás de canela da paróquia interior do largo São Francisco, sob auspícios da irmã Catchusca (freira cantora fã de Cássia Eller) e encaminhamento de novos albergados by Gertrude Stein, assistente social loira de olhos azuis semi-cegos e sorrisos sinceru´s.
Aos poucos a carreira de poeta vai sobrepujando a de indigente com boa causa, ou vice-versa, numa tradução livre... É possível vender revistas na praça Benedito Calixto e perguntar pra Marília Gabriela se o namoro com Gianecchini era de fachada e/ou examinar se há traços de passado groupie através de rápida conversa com Clarah Averbuck; depois o sujeito não pode dormir no curso de análise poética do Marcelo Tápia na biblioteca Alceu Amoroso Lima - oficina essa cuja influência trará à tona observações fluido-concretas a respeito do aparente conteúdo de poemas como "liqüidificador" e "ar condicionado". É vocação/talento/dom para a arte a válvula de escape entre infinitas oportunidades a um espírito anarco-cosmopolita? Ou a militância transcendental foi pra liga profissa sem aviso prévio? O que na verdade rende novas amizades fictícias pode ser desculpa para voltar de vez ao batente da hiper-exposição. Na rua rola muita troca de informação, aprendizado com metafisicu´s 69´s também. Futuros famosos de índole mais pública do que atuais dirigentes da nação te oferecem uma parte da vida e vosmecê poderá dizer que um dia eles estiveram em situação de risco social, veja bem. Maitê Proença e Lobão são testemunhas sem alzheimer que confirmarão passado sofrido que justifica um enraizado sucesso. Gravem o nome dos vendedores, eles prometem despontar num movimento verossimilhantemente transmaloquêro, a confirmar.
Amanhã será um novo dia alto-astral, é preciso tirar muquiranas e piolhos de galinha do leito público; tomar bom banho de descarrego para uma libertadora limpeza espiritual; recarregar o celular; desprorrogar compromissos; lavar roupas 18% mofadas, meias chulezeintas, mudar-se pela 44ª vez... boa noite...

__ ...brigada moço, soy una seguidora do Jamelão, boa sorte.
__ Viva forever...
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11/07/2008

impressões interiores

Quem era aquele moço semi-nu na resenha da Mix Brasil? Poesia ainda era algo estritamente diletante antes que meu primeiro e-mail lho fosse enviado, solicitando seu trabalho. De vez em quando eu recebia edições independentes dos peculiares versos que, agregados a escritos inéditos, culminaram no livro "Poesia Gay Underground: História e Glória" - lançado pela coleção da DIX editorial, da editora Annablume.

Como todo bom artista, biográfico, ele tem estilo às vezes elegíaco, ou escatológico...

Foi no ano de 2006 que comecei a acompanhar sua paidea interior de personalíssimos frames. Procurei sempre não me ater apenas a seu aspecto gay, pelo fato d'eu não escolher preferências culturais segundo rizomas classificatórios que emaranham patrimônios intelectuais de maneira que muitos leitores deixem de considerar material de qualidade. Hugo Guimarães perpassa o gênero LGBT com uma complexa designação narrativa, bem resolvida, objetiva e pouco barroca. É nesse ponto que, provando ser um poeta que transcende em vida - segundo ele próprio diz em um de seus poemas - ele classifica e modifica as coisas ao seu redor, sempre atento ao que deixa guardado para um documento futuro, quando os signos em questão estiverem pasteurizados no resultado final do leite de suas ruminações, mesmo que ele diga já ter bebido todo o conteúdo possível...

Sua divertida e aderente maneira de expressão pode ter seu lado mais profundo despercebido. O que ele tem de tradição e ruptura é uma voz blasé, de beesha ativa (literariamente falando), decididamente pragmática - nisso semelhante a da portuguesa Adília Lopes; voz essa que, sempre rebelando-se contra cada verso anterior, surpreende e enterra uma idéia que nem chegou a esfriar, embora ainda formalmente ligada à proposta geral do corpo do poema (93% das vezes uma mini-estorinha).
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"Eu pus uma garrafa no meu cu
Para se uma mente suja tentar
Dizer alguma merda
O som morrer.

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Meu cu viajou para um lugar longínquo
Eu disse que ele era um planeta morto
Mas agora eu digo que ele só está em processo de beleza
Ecoando, sozinho e lindo."

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Sem prejudicar a compreensão da leitura, a duração dos poemas reflete o suicídio involuntário da moral, como se estivesse de cabeça pra baixo, aquilo que uma vez o poeta disse ser impressão interior é na verdade a derrocada de arquétipos aceitáveis em uma sociedade hipócrita. Como sob uma pele de pobre mística, que vai sendo arranhada e marginalizada, vemos o esqueleto de sua libertadora, construtiva rima interior, bem-humorada e jamais fosca. Nem mesmo seus pais escapam, um tema recorrente, como se estes fossem os filhos, analisados e redirecionados, sem pudor, a uma superação trágico-cômica que usa e abusa do Édipo, ao longo de raríssimos constrangimentos. Resolutamente lamentado, o patriarcalismo é visto através de fracassados sujeitos sob um céu de estômago. Hugo está longe de se sentir culpado por um amor mal-consumado.
Nessa particularidade o artista mais do que nunca demonstra que, embora ainda muito jovem, já está acima de qualquer suspeita formado em base firme. A problemática familiar não tem a gravidade sugerida e sutilmente camuflada nos dramas pessoais que tanto adoram explorar e (semi) divulgar relatos da vida real no labirinto do desejo do ego. O amor é tratado em diversas camadas, (como nos graus de 1 a 5, segundo a psicologia) Hugo Guimarães não só sabe que todo homem tem tendências homossexuais, como também ri e cobra por isso. O tesão mais enrustido não lhe escapa, sendo arrombado e repercutido em todos os outros teores sexuais ainda idealizados, porém já antecipadamente fadados em seus amantes.


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"Pit boys
Vão me espetar numa cruz
Vou gozar mais
Ou menos?
"
 
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A frustração não deixa-se seduzir por um alegre pessimismo, saudável: nesse ponto encontrando uma espécie de iluminação nietzschiana, estabelecendo um lugar comum aos famigerados e ridículos apelidos a um derredor de ratos, TV, sadismo, peixes, perspicácias dos intuitos aspirantes ao sucesso... tudo visto por olhos que, sentados e tranquilos, como num trono, vão ordenando o desfile das ilusões rumo ao abismo.
Poderia ser um bestiário fisiológico a contribuição de seu chocante álbum de imagens. Segundo o que já disse uma análise anterior, seu bom gosto não crê na etiqueta culta e ascética. Sendo almodovariano, inusitado, ele cria culinária nova.

O sabor e o peso do concretismo é seminal, gelado, levado nas costas, quando ele não está a doá-lo aos garotos ao contrário (falsos héteros); drenando, secando e petrificando-os o poeta se vinga dos baixos graus de homossexualidade com uma fina malícia subtextual às coisas mais prosaicas e/ou rotineiras, como um simples chek-up.
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"Eu disse à mama 'tchau' e ela disse 'boa sorte'
Eu fui ao médico e ele era lindo
Ele era gentil, ele tocou meu joelho
E eu disse 'quer casar comigo?'
Ele estendeu sua mão e me disse que a vida é linda
"


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Se vemos o mais alto grau de afetação típico das bibas que freqüentam a buatchy A Loca, Del Candeias poderia cair de amores e introduziria o ainda pouco conhecido poeta no mundinho literário em uma jornada pelos tipos mais bizarros da noite urbana...

Seu lado espiritual também é exercitado, andando com um "cavalo no pescoço" - Platão lhe segue, todo arregaçado. Abusando e logo descartando as figuras de Jesus Cristo, Lúcifer, Bob Dylan... Todas suas influências o acompanham de modo pouco óbvio, tanto é que sua escolha por um cardápio mais carnal e auto-narrativo oferece um passado literário, como em filmes de terror e rock n' roll, apenas na forma de mera colagem contribuitiva, entendendo o "cavalo" no sentido nagô/iorubá/caboclo sem explorar total uso dessa entidade em pastiches psicográficos de um paladar lingüístico já inadequado e rapidamente arcaizante das escolhas e montagens imagéticas exteriores.

Ocultando e digerindo os já manjados mecanismos de sistematização da vida poética em um novo, pós-moderno e desbravador EU lírico, trilhando uma promissora e renovadora voz que, tendo rompido até com seus pais, é acompanhada na sua busca no decorrer do livro, aqui não há a simples e recorrente falta de escrúpulos e fé: ele vai além da formalização de acidulantes paganismos estéticos, a desenvolver desse modo uma doce crueldade no ponto G para o sincero envolvimento meta-pessoal com o leitor, afiado na perfilação de elementos e estados de matéria, devidamente assimilados e citados ao meio de uma proeza orgânica de relacionamentos brutos.

Além de ter a herança artística no pescoço; o óleo no ar; o cérebro de ar; o rato no cu; o cu verde; o já comentado sêmen de concreto; a vagina nos olhos; os joelhos secos; guitarras masturbadas; bonecos de lama; junto com os garotos ao contrário e os pit boys aparecem os garotos migrantes, os garotos pop, cocô; a história do pau...

Há de se notar também um clima teatral em suas questões e jogos de relação fetichista, os heteros e o mundo normal são vistos por um crivo de observações neo-rodrigueanas, deixando passar apenas os segredos sexistas (-por um triz-) e as despóticas-afetividades, esquecidas de bom relato há tempos na literatura brasileira; enquanto a maioria dos poetas insiste e esforça-se pra esconder seu lado inadequado, ele faz questão de armar cenas que exageram periculosidades sentimentais com uma mordacidade que Ana Rüsche ainda não foi capaz de exprimir, prestes (e para a alegria das diferentes opiniões) a desfazer-se perante a bondade pueril de aguardada aproximação alheia...

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"Reage meu assalto
Aperta meu saco
Eu escovo seus dentes
E misturo pasta quente
Quase caindo da sua gente
No teu punho tem corrente.

e aperta minha mão
Aberta minha mão
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Eu vou entrar
No seu lugar
"
 
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O que consta parecer uma rima óbvia e fácil é desculpada pela distante verdade; perto dele ela é recebida com carinho e com a possibilidade de transformação que todo espírito aberto às solidões alheias pode aceitar, lançando à extremidade de seu pensamento trocadilhista uma maleabilidade de relação com o outro, a ressaltar assim pontos positivos em vantagem à poesia trancafiada das geografias abstratas, que não dispõe de saídas em um mundo pessoal penoso, exagerado, glamourizando a dor. Por isso Hugo Guimarães não se afoga em típica afetação, não sufoca sua riqueza vocabulária com um vazio exteriormente existencial. Lendo todo o livro nota-se uma progressiva melhora e abertura do gênero em que ele escolheu lançar-se.
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"É noite na água
Eu odeio salva - vidas
Sexo não salva
A queda de uma rocha no mar
"

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Tomara que ele não ceda à armadilha de cair na própria caricatura, de maneira que possa continuar evoluindo sua arte.

http://hugorguimaraes.blogspot.com/

CopyLeft 2008 by Andróide

06/07/2008

diálogos cênicos brasil-espanha: linguagens híbridas

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O Processo
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Pedimos ao público a gentileza de evitar barulhos desnecessários, pois os microfones, de alta tecnologia, captam todo e qualquer ruído. Em caso de tosse sem controle pedimos, dentro do possível, abafá-la com o uso de lenço. Contamos com sua colaboração e desejamos
a todos um
..,,,,,,,....bom espetáculo.





Ímpetos de vida devidamente interrompidos humpf humpf humpf, não!... Talvez... Cruzes! Minhas costas paralisam-se de novo, mal me sento e já estão batendo pés atrás do espaldar do assento... Na bilheteria não foi muy diferente: transmigrando dos fundamentos sexuais para mais filosófica respiração os tempos de chuva não são responsáveis pela obliteração de discrições públicas, assuntos volúveis pero no-voláteis; dando vida a quem odeia, sempre há o indeciso meio entre quem aguarda de pé e os que aguardam sentados, o parâmetro, cupido ou sei lá o quê que tem de agüentar a pressão dos outros em cima de si. Então seriam ânimos entrecortados de vespertinos qüiproquós que não sabem a hora certa de calar a boca? Ai ai ai... Por que sobre a pessoa mais problemática e desequilibrada há uma escala? Se relações humanas fossem pesquisadas de maneira geral, o diagrama resultante teria curvas que lembrariam uma montanha ao contrário; na base o condenado agüentando tudo, por consegüinte quem se safa do grau mais inferior ascenderia adiante até o fim da imensa base, fim daqueles que conseguiram se livrar de lancinante dor.


Luzes apagam-se, não suficiente os chutes nas minhas costas (talvez involuntários ou definitivamente por pura maldade), automaticamente viro inimigo das primeiras disputas entre acessos de tosse, estalos de oxigenação esquelética, pigarreios e espirros que, ao invés de procurar tratamento adequado, reivindicam os ouvidos mais susceptíveis até que lúgubre música instrumental surge juntamente a um sacerdote católico - como um bebê "de maior" ele traz no colo aquele que daqui a pouco será o primeiro dançarino de la gran noite espiritual. O sacerdote oferece-o à platéia, levanta-lhe ombros e cabeça de maneira que o semblante pareça sustentado por invisível correia, tipo marionete; daê o condenado fica na pontinha da ribalta e a figura religiosa se põe um pouco mais atrás fazendo um sinal manual sincopado com o condenado, como se estivesse girando tipo uma chave do coração e pá! O dançarino começa martirizante peregrinação coreográfica, são movimentos bruscos, que demonstram a culpa e eterno medo da incompreensão.

O padreco se retira, mais tarde saberemos que ele trará mais e mais condenados-dançarinos, urdindo interessantes, exaustivas e repetitivas relações de parasitismo emocional, definindo trágico duelo entre opressor e oprimido, entre o sentimento de culpa e a realidade, entre possibilidades e impossibilidades de ouvir Franz Kafka fazer elogios dentro da tumba. O casal atrás de mim, em controlado pânico, parece começar a se distrair, ufa... Credo! Uma mina, espécie de elo entre condenados e justiça divina, pisa na cara dum rapaz que recita belo poema, interesting... Entre o movimento que busca saída e sua impotência, Franz Kafka ressuscita...

Li a maior obra literária do século XX [era emprestado de uma biblioteca pública, eu perdi quando tava trampando, daê fui na DP dizer que tinham me roubado, o delegado disse "logo esse livro!"... mais tarde tive séria discussão com a bibliotecária do colégio (sempre tenho fortes e turbulentas azarações com bibliotecárias), ela queria que eu reembolsasse novo exemplar, mas um parcêro veio do nada e disse que eu não era obrigado a repor o livro... depois outra bibliotecária comprou outro Processo e comentou comigo a respeito de "Por quem os Sinos Dobram" pra conferir se era eu ladrão de livros e/ou conhecedor da guerra civil espanhola...]. Não fazia muito tempo que sensações macabras acompanhavam-me quando Sr. Joseph K. fez 30 anos. Parecia que era eu quem tinha acordado com imprevisível ordem de prisão, sem a mínima explicação lógica. Não fugi, mas me resignei a tentar compreender do que fui acusado. Na cadeia ninguém dá bola por sua causa, por mais nobre que ela seja. Esperando pelos acontecimentos futuros, pelos próximos trâmites do processo, em nenhum momento cheguei a saber que crime cometi; resistia lendo o livro. Palíndromo de mim mesmo a arrastar uma personalidade que permanece na busca em direção ao abismo - guiado pelo sentimento de que alguma coisa deve ter feito, Joseph K. é levado pela quase insuportável culpa que carrega nas costas.

Vixi... Não demora muito e é a vez da fêmea do casal atrás de mim interromper meus devaneios, ela dá um gritinho estranho quando a fêmea loira do palco caminha sobre um condenado, apontando braços em minha direção, os dedos mexendo-se freneticamente numa demonstração de pequeno e quase imperceptível pedido de socorro (então até uma musa opressora poderia estar sofrendo? Quase me emociono...) A linguagem da dança tem muito a dizer não só nessa hora... A dançarina completa o quadro e olha pra mim! Tento não rir para causar efeito de compaixão necessário como condenado espectador - o que nunca deixou de ser verdade: a assistência é uma arte... Abaixando a cabeça, a mina quase chora e posso ver doce dó a lhe seduzir. Mais tarde, na fila da bilheteria de outro espetáculo, a musa estava com um cara que devia ser seu namorado, ambos muy chics e respeitosos; quando ela virou a cabeça em minha direção inadvertidamente levantei os olhos para a lua e olhos azuis dela mergulharam em memória de pensamentos.
Assisti a emocionante agonia três vezes.

O grupo Borelli independentemente desenvolve pesquisas e criações desde 1997 (quando era o FAR-15), acumulando no repertório treze peças coreográficas (já fizeram adaptações de Carta ao Pai e A Metamorfose). O desejo obsessivo de questionar a existência humana, suas contradições e incertezas contemplou a cia. com programa de fomento à dança no município de Sampa; n´O Processo, a dança exige para si direito ao drama - dizem eles. Todos vestem sapato preto, paletó e calças da mesma cor a la começo de séc. XX. São atuações tão febris que o suor toma conta dos hábitos. Braços fogem, cabeça e peito tencionam em sentidos opostos, é tanta repetição (cada um que chega faz o mesmo que o condenado anterior) que não resta mais nenhum cardíaco na platéia. Dança pesada - a dança é a condenação; um agarra, se apoia na dança do outro, sempre a transferir a musa perversa do amor, que vai enrolando o padreco. Atmosfera kafkaniana a todo vapor. A atualidade das abordagens da condição das almas penadas é desconcertante. A proposta é mesmo desconfortar a platéia - linha mestra dos promissores grupos de teatro e teatro-dança não só da mostra Brasil-Espanha, que ocorreu entre 24 e 29 de julho, no Centro Cultural São Paulo... humpf humpf humpf...

As primeiras pessoas começam a sair, talvez não por terem desgostado do clima sombrio da trilha sonora de Gustavo Domingues e/ou por causa do olhar suplicante dos condenados que faz os mais idosos nunca agüentarem até o fim - eles vão saindo de fininho naquela senilidade horripilante típica, mas sabe-se lá por que tentam fazer o abandono ser visto, se não pelo espetáculo inteiro pelo menos pelas atenções mais propícias a testemunharem semi-furtivas saídas ahuahua, parece que eles nem respiram.... É o aprisionamento e desesperança do homem que traz em si as marcas de um mundo alienado...

A loira-musa articula fulminante sentença, o show encerra a gravação com todos níveis de (des)necessários requintes da interferência humana. Casais terão uma diferente noite de prazer...
Aplausos...
De pé.


http://www.ciaborelli.art.br/